Já se vão quase dois anos desde que escrevi esse post no Blog da Garagem GetUp com dicas para quem quisesse fazer mestrado comigo (e que era bom você ler). É hora de atualizar o meu entendimento com algumas novas ideias que tive desde então.
Recebi nesses dois anos emails de umas 20 ou mais pessoas que disseram querer fazer mestrado ou doutorado comigo, e mais cerca de 120 pessoas me indicando como orientador de mestrado ou doutorado nesses processos seletivos do PEP/Coppe. Ao invés de responder individualmente a cada email enviado solicitando feedback ou reunião, escrevo esse post como um agradecimento a você que me escreveu e eventualmente ficou sem resposta. Essa é a melhor que posso lhe dar, e espero que possa ser a melhor ajuda para você tomar uma decisão informada sobre entrar ou perseverar na pós-graduação stricto sensu.
As dicas que dou podem até ser generalizadas para outros professores e mesmo para outros países, mas não tenho essa intenção aqui. Elas não são, porém, limitadas ao Programa de Engenharia de Produção da Coppe, que é onde eu hoje trabalho. Elas se aplicam também caso você queira orientação de projeto de graduação no Departamento de Engenharia Industrial da Escola Politécnica da UFRJ, e se aplicarão se algum dia eu trabalhar em algum outro programa de pós-graduação, no Brasil ou no exterior.
Note também que o PEP-Coppe possui seus próprios requisitos quanto ao formato, prazo e documentos que precisam ser enviados como parte do processo seletivo. Essas dicas nada tem a ver com o processo seletivo do PEP-Coppe. Para que eu e você sejamos orientador e orientando três coisas completamente diferentes e não-relacionadas precisam ocorrer: eu querer, você querer e você passar no processo seletivo. Essas dicas que eu dou se referem única e exclusivamente a que coisas me fazem potencialmente querer te orientar, caso você venha a ser aprovada no processo seletivo do PEP-Coppe (ou de outro programa que eu trabalhar no futuro) e queira que eu te oriente.
Vamos às dicas.
1) Acerte o meu nome.
Parece bem estúpido, mas já recebi e-mail de candidato dizendo que quer muito fazer doutorado e mestrado comigo pelas minhas inúmeras qualidades, mas que escreve lá na primeira frase ”Prezado professor XPTO”, e no caso ”XPTO“ é um colega meu de departamento, e não Édison. Mandar um email para todo o departamento mostra falta de foco e errar o nome do destinatário mostra desleixo — nenhum dos dois são adjetivos associados a uma candidatura promissora a qualquer coisa que seja: doutorado, empregado, empreendedor ou gerente de time de futebol de botão.
Há também as variantes, sendo a principal ”Edson” ao invés de “Édison”. Atenção a detalhes é premissa, e não consequência, de ser pesquisador. Que sinal você acha que dá errando o nome do seu candidato a futuro orientador? É como diz o meu orientador de doutorado: tudo é sempre um teste, e errando o meu nome você já começou falhando.
2) Esteja alinhado com um dos meus temas de interesse.
Há uma questão chave que precisa estar respondida quando você diz que quer fazer doutorado/mestrado comigo: por que especificamente comigo, ao invés de com os outros 245.763 orientadores de pós-graduação existentes no mundo? Veja bem, eu não me acho um orientador tão experiente, criativo e presente quanto os que eu mesmo tive e que hoje estão disponíveis no mesmo programa no qual eu trabalho. Além disso, eu hoje não tenho muito tempo disponível e estou em uma fase da carreira na qual não consigo aceitar orientações fora do meu foco estreito de pesquisa - a menos de uma porta para grandes talentos que eu deixo bastante bem guardada. Portanto, demonstre claramente que tem uma excelente resposta (portanto não bajulatória) para essa questão de por que eu seria um bom orientador para você e seu trabalho.
E isso quer dizer que é necessário se preparar antes de escrever seu projeto, tendo portanto lido as minhas publicações recentes e as da literatura com a qual trabalho, tendo portanto tomado uma posição que esclarece claramente por que eu. Mandar uma proposta que não dialoga com o meu trabalho não me faz entender inequivocamente que serei um bom orientador para você. Mandar uma proposta genérica me faz entender que você está mais interessado em fazer mestrado/doutorado com qualquer pessoa que seja do que fazer mestrado/doutorado especificamente comigo (e isso implica que você tem melhores opções do que eu). Dizer que aceita qualquer tema que eu colocar para você executar mostra que você ainda não possui maturidade suficiente para definir uma prioridade de pesquisa, e que portanto não está pronta(o) para o mestrado ou (principalmente) doutorado.
Pode parecer duro, mas para mim a questão chave é que não quero que ninguém se engane e nem se decepcione, portanto prefiro ter as conversas difíceis o quanto antes — talvez antes mesmo de nos conhecermos pessoalmente. É a velha frase: o combinado não sai caro nem barato.
Hoje eu estou interessado em menos coisas do que estava quando escrevi o post de 2017. Portanto, venho para atualizar aquela lista e dizer que estou interessado nas seguintes grandes áreas:
Empreendendorismo em Startups;
Empreendedorismo em Corporações (Corporate-Startup Engagement e termos assemelhados que estejam na interseção entre empreendedorismo e corporações, frequentemente com inovação no meio mas não obrigatoriamente);
Filosofia da Engenharia;
Pesquisa Sistemática (Evidence-Based Practice, Design Science Research);
Outras caso eu seja muito surpreendido (prepare-se para justificar extraordinariamente bem por que a área e por que eu como orientador).
Já de antemão posso dizer no que não estou interessado (a menos do item 5 acima):
Gestão em geral (Lean, PCP, projeto organizacional, estratégia, liderança, gestão do conhecimento, indicadores, qualidade, manutenção etc) que não tenha a ver com os 5 tópicos acima.
Empreendedorismo de sobrevivência (sugiro o professor Bartholo).
Empreendedorismo em Micro, Pequenas e Médias Empresas (sugiro o professor Francisco Duarte).
Cultura Maker e Design Thinking (sugiro a professora Carla Cipolla).
Inovação nas Organizações que não inclua a interseção com empreendedorismo, comportamento empreendedorístico, relacionamento com startups etc. (sugiro o professor Marcus Vinicius).
Como parte do projeto integração com o DEI/Poli, eu tenho topado co-orientar pessoas que sejam orientadas por outros professores do Departamento, em especial pessoas que sejam orientadas pelos professores Renato Cameira, Adriano Proença, Leonardo Navarro, Roberto Ivo e Vinicius Cardoso. Nesse caso, procure-os primeiro para que então eles venham conversar comigo caso sua candidatura esteja madura. Note porém que vamos priorizar propostas nas interseções entre os temas de meu interesse e os de interesse deles, portanto pelo menos um pezinho na minha lista de interesses você vai precisar ter.
3) Para candidatos a mestrado: mestrado não é especialização, é aprofundamento.
Por vezes reparo que algumas pessoas que me escrevem buscando o mestrado querem mudar de área profissional e aprender um assunto que ainda não dominam. O propósito de um mestrado (pelo menos comigo) não é esse. Duas coisas são foco: (1) o desenvolvimento da capacidade de definir e conduzir um projeto de pesquisa - o lado “ser pesquisador”; (2) o aprofundamento das capacitações numa área em que já se conhece a literatura básica e na qual se deseja aprofundar.
Por vezes, os pré-projetos transparecem um grande desconhecimento da literatura acadêmica de base nos assuntos — mesmo no caso de pessoas que conhecem a prática do campo ou a literatura cinza (relatórios de consultorias e think tanks, por exemplo). Para ficar em um exemplo: já li propostas de pessoas que diziam querer pesquisar empreendedorismo em startups e que sequer citavam Steve Blank ou Eric Ries, ou que definiam Startups erradamente - mesmo sendo empreendedores por anos. Nesse caso, suas credenciais como praticante não se convertem automaticamente em um projeto de pesquisa maduro: é necessário travar contato com a literatura acadêmica e daí montar um projeto de investigação maduro (sistemático, relevante e factível - ver abaixo).
Um curso de especialização lato sensu (por vezes chamados de “MBAs”) ou um curso de curta duração podem ser mais úteis do que uma pós-graduação stricto sensu (ou seja, mestrado ou doutorado) se você está no zero na literatura acadêmica de um assunto (mesmo sendo praticante experiente). Por exemplo, eu hoje coordeno uma especialização chamada Tech Management, uma parceria da Escola Politécnica com o Coppead que pode servir melhor a quem quer estudar empreendedorismo em startups ou em corporações do que o mestrado e doutorado. Note que essas pós-graduações lato sensu em geral são pagas, mas um mestrado em universidade pública, apesar de gratuito, pode ser pago com muito tempo perdido (além de choro, suor e lágrimas) por quem não se enquadra na fase de vida e perfil necessário. Não que o mestrado e o doutorado sejam ruins, muito pelo contrário. Mas eles não são para todo mundo em qualquer momento de vida (note que o caso aqui não é a idade, e sim a capacidade de estar full mind na missão, como falaremos a seguir). O que quero dizer, portanto, é que às vezes uma pós-graduação paga pode sair bem mais barata do que um mestrado ou doutorado gratuitos: tudo depende do seu perfil, desejos e momento de vida.
Em síntese: fazer uma pós lato sensu pode ser mais útil se o que você quer é aprender sobre a teoria básica de um tema, tendo ou não experiência prática nele. O mestrado e o doutorado servem para se aprofundar num tema em que você já domina o nível básico da teoria e quer passar do intermediário para o avançado por meio de estudo e pesquisa.
Portanto, se você é candidata a mestrado e não leu ainda a literatura acadêmica básica num dos assuntos com os quais trabalho, sugiro ler e estudar essa bibliografia antes de me procurar com o assunto “candidatura ao mestrado”. Eu ficaria contente de indicar a bibliografia, principalmente se você fizer a sua due dilligence prévia, procurando você mesma pelos livros/artigos, ao invés de me pedir pura e simplesmente uma lista do que ler. Talvez futuramente aqui no Blog eu faça essa listagem de bibliografia básica nos assuntos que estudo, quem sabe se haverá demanda algum dia por isso.
4) Para candidatos a doutorado: domínio de três competências são um requisito.
De uma candidata(o) a ingresso no doutorado eu espero a maior chance possível de conseguir produzir conhecimento original no planeta sobre o assunto a ser estudado. Significa dizer que ser um aluno de doutorado envolve já ser mestre, e portanto ter conhecimento sobre pesquisa sistemática e sobre um assunto que se quer aprofundar. Envolve também querer atuar internacionalmente e ter capacidade para. Isso implica em 3 capacidades fundamentais:
Um excelente desempenho em inglês (ler, falar, ouvir e escrever). Para produzir conhecimento mundialmente original é necessário domínio na lingua franca da produção do conhecimento, o inglês. Você, durante o doutorado, precisará fazer apresentações, conversar e escrever para pessoas de todo o mundo. Por isso, proficiência na língua inglesa é fundamental (nível C1 ou C2, mesmo que sem certificado).
Capacidade de acessar o estado da arte no tema a ser estudado. Isso implica em conseguir entrar em diálogo, no projeto de pesquisa, com a produção de conhecimento qualificado. Você precisa demonstrar, para ser um excelente candidato a doutorado, que conhece as discussões que a comunidade internacional e de ponta de estudiosos no seu assunto atualmente conduz, e que conhece quem são seus membros e onde se reunem (chamamos isso de “minha comunidade”). Se você só sabe mexer no Scielo, Google Acadêmico e portal CAPES e não sabe mexer no Web of Science, EBSCO e softwares de gestão bibliográfica (os para Mac são um bônus), terá dificuldade de entrar num doutorado (comigo) por muito provavelmente desconhecer a comunidade internacional e de ponta no assunto em que alegadamente você quer produzir conhecimento mundialmente original, e portanto ter uma proposta que não dialoga com ela.
Capacidade de, diante do estado da arte, formular uma proposta doutoral sistemática, relevante e factível. Sistemática por demonstrar que consegue, na formulação do protocolo da pesquisa, mitigar vieses intrínsecos à pesquisa. Relevante, por demonstrar que consegue propor objetivos que sejam conectados com problematizações de estudiosos internacionais e de ponta interessados no assunto da pesquisa. Factível, por demonstrar que possui os recursos necessários para levar a cabo esse projeto de pesquisa cuja meta última é produzir conhecimento original e inserido no âmbito da comunidade internacional.
5) Mais do que trabalho full time, é necessário ter disponibilidade para trabalho full mind.
Semana passada estava com o meu colega Thiago Renault numa defesa e aprendi com ele algo daquelas coisas que são preciosíssimas. Disse ele — e eu concordo integralmente — que mais importante do que ter disponibilidade para ser aluno full time (em tempo integral) é ser aluno full mind (com a cabeça focada na pós graduação). Isso quer dizer que tanto no mestrado quanto no doutorado a questão chave que será cobrada das minhas aluna(o)s é o comprometimento de cabeça e não de corpo presente. Melhorando o que disse no post no Blog da Garagem, é portanto possível ter um emprego durante o mestrado ou doutorado comigo, desde que você idealmente esteja pensando no doutorado/mestrado durante todo o período em que trabalharmos nele. Se você portanto possui um emprego que te suga não somente em termos de tempo, mas em termos principalmente de preocupação, de modo que você não conseguirá ter tempo de qualidade para conseguir focar na pós-graduação, não chegou a sua hora.
Se por outro lado no seu emprego você possui a disponibilidade para pensar (e trabalhar) sobre o mestrado e doutorado, isso é um problema a menos. Já vi alunos que são full time mas que não são full mind, e que estavam por lá em tempo integral mas com a cabeça tomada por outras preocupações — por responsabilidade deles ou não. Também já tive aluno tempo parcial que era full mind e que fez um excelente trabalho. Se você possui a vida profissional ou pessoal muito atribulada (doença sua ou na família, vida social muito intensa, logística muito complicada etc.) ou a sua pesquisa não está alinhada com a atividade profissional, mesmo sendo aluno tempo integral vai ser difícil e até mesmo tortuoso fazer o mestrado/doutorado. Fazer um mestrado/doutorado full mind exige de uma maneira muito mais intensa do que fazer uma graduação, portanto tenha certeza de que está pronta para essa transformadora experiência na sua vida.
Era isso. Ficarei feliz de responder a perguntas ou observações nos comentários :)
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